O problema dos termos renda fixa e renda variável

Se você está lendo isso, deve ter alguma familiariedade com investimentos.
Talvez não muita. Talvez não pouca. Mas alguma.
E já deve ter percebido que algumas coisas são estranhas.

Uma parte de pessoas te fala que COE é oportunidade. Outra te fala que é armadilha.
Termos como rentabilidade, resultado, rendimento, renda, são comumente usados e nunca fica clara a diferença entre um ou outro.
A corretora não cobra corretagem. Como assim? O pedreiro não cobra a construção de casas? A cabelereira não cobra o corte de cabelo?

São muitas as estranhezas que perpassam o nosso mercado de capitais, especialmente as que estão voltadas para o povo brasileiro.

Vamos falar sobre uma dessas estranhezas. Os termos renda fixa e renda variável. Comecemos pelo termo “renda”.

Renda que não gera renda

O que você entende por renda?

Eu, a Oxford e a SUSEP entendemos como: quantidade, periodicamente. Isso é renda.

Seu salário? É uma quantidade periódica. Renda.
Uma árvore rende quantos kgs por ano? Rende 10 kgs de fruta.
Quanto a poupança rende? Quanto ela te paga, periodicamente? Meio porcento mais TR dependendo da taxa SELIC.

O terreno que você comprou em 2015? Ele se valorizou.
A ação comprada a 10 reais vendida a 5 reais não desrendeu.
O dólar se valorizou nos últimos anos. Não rendeu absolutamente nada.

Logo, um investimento que você compra agora e te paga o dobro daqui a 5 anos, não é renda. Nem fixa, nem variável.

Não é renda.

“Mas essa é a convenção do mercado.”

Sim. E chamamos o nativo brasileiro de índio mesmo depois saber que Colombo não chegou nas “Índias”.
Aceitamos que o gui de guitarra e linguiça são escritos da mesma forma mas tem sons diferentes.
Simplesmente engolimos passivamente convenções erradas e que são confusas e incertas.

Mas somos todos adultos. Já estamos liberados para enxergar nossos erros e mudar. Como diria Bruna Feitoria: se permita.

Fixa que não é fixa

A ideia de fixa em qualquer investimento sobre qualquer aspecto cria confusões.

O que é fixo na renda fixa?
A rentabilidade não é fixa. Pois existem títulos que pagam índice mais prêmio. O índice varia.
O preço do título não é fixo. Existe marcação a mercado, marcação na curva, e negociação entre partes.
E a taxa pactuada? Essa é fixa certo? Não. Se você compra um CDB do banco que paga 100% do CDI, você receberá 100% do CDI?

A taxa só é fixa se o investimento for isento de imposto.

A renda só é fixa em um caso específico.

Fixo que não é seguro

A tal da renda fixa é mais segura que a tal da renda variável…

Quando você empresta uma grana pro seu cunhado e cobra juros, é uma “renda fixa”.
Comprar ações do Itaú, é “renda variável”.
Qual é mais seguro?

Você talvez leia esse exemplo e pense que é ridículo.

Não é.

Existem diversos títulos de “renda fixa” com diversos níveis de risco diferentes.
Quer bancar a dívida de uma empresa de venda de time-shares?
Quer financiar um governo que já deu 8 calotes no pagamento de suas dívidas?
Quer emprestar para uma empresa de compra, venda e reforma de paletes a juros de 40,1% ao ano?

Esses títulos são de renda fixa, e dificilmente um analista sério, um gestor competente, ao investigá-los mais a fundo, chegaria a conclusão que são mais seguros que uma miríade de alternativas de investimentos de “renda variável”.

Vale a pena generalizar?

Variável que não varia

O básico é que a renda variável, varia. Ora, óbvio.

Nem tanto.

O preço varia. Os proventos que a empresa pagam variam.
Mas o que a empresa faz enquanto atividade não varia tanto assim.
A forma como o prédio ou o galpão gera renda não varia.
O que fundos e gestores fazem, não varia.

Já o capital que você empresta para a empresa, governo, ou seu cunhado, varia totalmente de uso.

Logo, a quantia da renda varia, mas a origem varia muito menos do que a natureza dos rendimentos de um título de “renda fixa”.

Variável que não é arriscado

Renda variável arriscado. Renda fixa seguro. Uga buga.

Será?

Você pode ser sócio, aqui do Brasil, de bancos com quantidades vastas de capital.
Você pode ser o pequeno dono de empresas fabricantes de papel quase centenárias.
Você pode fazer parte do capital que vota o destino das maiores seguradoras da América Latina.
Você pode ter parte de prédios construídos utilizando o padrão construtivo mais alto da atualidade.

O quanto fulano ou ciclano está disposto a pagar para fazer parte dessas sociedades e condomínios varia.

Mas, isso torna o empreendimento ou o condomínio algo arriscado?

Não, não torna.

A Tumba de Pacioli

Luca Pacioli resolveu um baita problema. Como gerenciar um negócio.

Em Veneza, pelos idos de 1500, o comércio era efervescente. Mas nem todos os comerciantes eram organizados. O cenário era amador e faltavam padrões ou melhores práticas, de uma forma geral, aos comerciantes. Assim cada um tinha seu sistema de controle das suas mercadorias, capital, e devedores.
Existe também um argumento sobre o papel da Igreja Católica enquanto garantidora da ordem e altamente interessada na capacidade dos seus fiéis de pagar os tributos devidos.

Então (frei) Luca Pacioli desenvolve o método de Veneza, mais tarde chamado de partidas dobradas.
Em sua obra Summa de Arithmetica, Geometria, Proportioni et Proportionalita, ele descreve como um mercador deveria contabilizar seu negócio.
Entre outras questões, as principais eram o controle do estoque e do capital. O mercador deveria sempre saber seu estoque e contabilizar mercadorias a chegar. Além disso, deveria saber a origem e o destino do dinheiro de forma clara. Ou seja, quem devia dinheiro a ele (devedor) e a quem ele devia dinheiro (credor).

Se você sabe de onde veio o dinheiro, qual mercadoria virou, e para quem você emprestou o dinheiro, você tem a contabilidade do seu negócio nas suas mãos.
Sem conflitos com a Igreja, ou com a máfia ou com os agiotas.
Seus credores estão contabilizados.

Além dos seus credores, dos deveres que você possui, dessa forma você sabe também os seus direitos.
Você sabe para quem você emprestou dinheiro e quanto. Quem tem dívidas para com você.
Você sabe quais são as suas mercadorias, suas propriedades.

E é nisso que você pode alocar o seu capital. Desde Pacioli. Desde as tabuinhas da Babilônia. Dívidas ou propriedade.

Dívida é dívida

Não existe renda fixa. Existe dívida.

Tesouro Direto, T-Bills, T-Bonds são dívidas.
O CDB do bancão, a Letra financeira da Crefisa são dívidas.
O dinheiro para o cunhado, a debênture para a Suzano, o CRI do Shopping Belém, são todas dívidas.

Repare: essa nomeação é simples, evita confusões sobre se tem renda ou se é apenas o principal, e também esclarece o risco!
Qual o risco da renda fixa? Ora, com esse nome, o risco é variar. Certo? Errado.
Mas qual o real risco da dívida? Calote. Esse é o risco.

Não é a volatilidade da marcação a mercado ou alguma outra medida arcana.
É o calote. O risco de investir em dívida é não receber o dinheiro de volta.
As garantias da dívida servem para assegurar o pagamento.

E não para manter a renda sendo fixa.

Você investe em dívidas? Ou você tem dívidas?
Eu invisto em dívidas de bancos, e dívidas imobiliárias.
Tenha alguns títulos de dívidas soberanas e algumas de pequenas empresas.

Simples.

Propriedade é propriedade

Se você comprou algo e tem a posse com o intuito de vender no futuro com lucro, é uma propriedade.

As ações de uma empresa são propriedades.
Aquele terreno lá de 2015 é sua proprieade.
O quadro do Inimá de Paula? Propriedade.

A propriedade muda de preço? Talvez. Pode ser fixo? Sim.
Gera renda? Pode gerar. Pode não gerar. Não é o foco.
O foco é que a propriedade é sua. O bem é seu.

Na dívida, você tem o direito de receber um capital de volta com juros.

A propriedade é um bem seu. É próprio. E com você ficam todos os méritos, pesares, consequências e glórias que essa propriedade lhe confere.

Sendo assim, eu invisto em propriedades.
Algumas me geram renda. E essa renda às vezes varia. Mas nem sempre.
Algumas das minhas propriedades não me geram renda. Ou seja, nem é variável, nem é renda.

Tudo que é um bem seu, que você desfruta, e os resultados do bem pertencem a você, é sua propriedade.

Acertar no que não é visto

Essa mudança de nomeclatura resolve um problema lateral grave.

O que é e o que não é investimento.

Tele-sena é investimento? Não sei. É dívida ou propriedade?
É meu e eu tenho benefício da posse de uma parcela dos resultados da Tele-sena? Não. Se muitas ou poucas Tele-senas forem vendidas, o que eu recebo da minha Tele-sena não muda.
O dinheiro que eu entreguei vou receber depois de um prazo pré-acordado corrigido por uma taxa? Não. Posso trocar por outra Tele-sena pagando uma grana a mais ano que vem.
Não é dívida, não é propriedade. É uma aposta. Se determinadas bolas saírem no sorteio, eu ganho uma quantia desconexa a quanto paguei na Tele-sena. Não é investimento.

Consórcio é investimento? Não sei. É dívida ou propriedade?
É meu e eu tenho benefício da posse de uma parcela do consórcio? Não. Se muitas ou poucos consórcios forem vendidos, eu não ganho mais nem menos.
O dinheiro que eu entreguei vou receber depois de um prazo pré-acordado corrigido por uma taxa? Não. Somos sorteados ou competimos para receber uma quantia pagando a mais do que a quantia recebida.
Não é dívida, não é propriedade. É um financiamento. Se eu recebo um dinheiro pagando a mais em parcelas por ter recebido esse dinheiro, dando algo em garantia, não é investimento.

Uma trava de alta é investimento? Não sei. É dívida ou propriedade?
É meu e eu tenho benefício da posse da estratégia? Não. As opções não produzem nada, nem geram nada e possuem validade. A ação é uma participação. A opção é um direiro sobre essa participação.
O dinheiro que eu entreguei vou receber depois de um prazo pré-acordado corrigido por uma taxa? Não. O dinheiro não retorna para mim. O que acontece é uma transação entre partes.
Não é dívida, não é propriedade. É um seguro. Eu travo o meu risco. Ou eu pago ou recebo na montagem e independente do que a ação faça, e tenho um resultado, que não é atrelado a uma taxa.

Mateus 21:19

É claro que existem arestas a serem aparadas.

Existem estruturas que são tão arcanas que são difícieis de categorizar.
Penso que o COE se parece mais com uma Tele-sena do que com um investimento.
E um fundo que só possui dívidas? Um fundo de dívidas é uma dívida? Não parece.

Um ticket de aposta em um cavalo não é investimento, é uma aposta.
Mas e um quadro de um artista desconhecido? E um livro (que você pensa ser) raro e pensa que pode ficar mais caro?
Eu te emprestei meu carro com tanque na reserva com a condição de que você me entregue-o com o tanque cheio. Investi em dívida?

O objetivo não é ser definitivo e secar a figueira. Afinal, talvez não seja tempo de figos.
O objetivo é adubar a figueira, regar, estimular uma discussão, plantar uma ideia.
Tendo paciência e sendo diligente, a maiêutica socrática supera qualquer magia.

Até diamantes nascem brutos. O refino é choque. Trauma.

Moral da história

Se você leu isso e ignora esse debate, ou não se importa com isso, ou “quem ele acha que é”, pelo menos saiba disso:
As estranhezas do nosso mercado de capitais não facilitam. Às vezes confundem, as vezes afastam.

Se você tem pouca experiência no mercado, saiba que as barreiras e dificuldades são transponíveis. Tenha paciência e diligência e as coisas irão se tornando menos confusas.
Se você tem muita experiência no mercado, saiba que de acordo com Dante, os enganadores ardem num poço de piche fervente e são fincados por espetos se tentam escapar. Usar termos enigmáticos é uma forma elaborada de enganar.

É possível simplificar sem incorrer em erro. Basta não complicar.

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