A redução da escala 6×1 é uma cortina de fumaça
Infelizmente, as discussões da redução da escala de trabalho de 6×1 para 4×3 (já percebeu que você só vê 6×1 e nunca 4×3?), tomaram conta dos jornais, telas e mentes do nosso país.
Primeiro, vou explicar os fatores do projeto em si, experiências anteriores e as consequências para nós.
Em seguida, vou opinar sobre porque isso tudo é apenas uma cortina de fumaça.
O projeto
O projeto em si é simples porém profundo. Ele visa emendar, (emenda constitucional) mas de fato altera a forma como entendemos um dos artigos da Constituição.
Hoje, o artigo sétimo, inciso treze é lido da seguinte forma (ênfase minha):
“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; “
Caso a PEC seja aprovada, o mesmo inciso será lido da seguinte forma (ênfase minha):
“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;”
Ou seja, uma redução obrigatória de 8 horas. Além disso, uma nova exigência que é uma jornada que seja obrigatoriamente de quatro dias por semana.
Sim, leia novamente o inciso..
Duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais com jornada de trabalho de quatro dias por semana. Ou seja, quem precisa trabalhar apenas duas horas por dia por 7 dias, não poderá. Nem quem trabalha em regime de 2 x 1. Salvo acordos ou ACTs. Essa PEC determina que a duração do trabalho normal seja não superior a alguma quantidade de horas COM jornada de trabalho de quatro dias.
Esse é o projeto. Como não há uma mudança do entendimento do salário mínimo, nada muda com relação à remuneração mínimo dos empregados.
Experiências anteriores
Jornadas de trabalho similares já foram testadas em outros lugares do mundo em contextos menores. Departamentos de empresas, repartições e até mesmo setores públicos já foram inclusive objeto de estudo e teste para redução de jornada.
A empresa de consultoria patrimonial Perpetual Guardian da Nova Zelândia implementou a semana 4×3 por dois meses e, devido aos resultados positivos, tornou a medida permanente.
Programas de jornadas de 32 horas feitos pela Unilever Nova Zelândia mostraram uma redução nas faltas de 34 por cento e uma redução (auto reportada) nos níveis de stress dos trabalhadores na média de 33 por cento. Conflitos entre trabalho e vida pessoal se reduziram na ordem de 67 por cento (também auto reportado). Com esses resultados, a Unilever Austrália está fazendo também um teste de redução da carga horária.
No Japão, a Microsoft testou essa iniciativa para alguns times durante o mês de agosto e viu bons resultados.
O setor público da Islândia também promoveu redução similar para alguns setores com grau reportado de sucesso acima do esperado.
Aqui dois detalhes são importantes:
- Todos foram testes em pequena escala, feitos por períodos de meses e implementados junto à ferramentas para medição de performance e eficácia dos programas. Perceba os países e as dimensões dos testes. A proposta no Brasil é uma mudança da Constituição Federal, sendo que o texto de apoio da PEC não cita grande embasamento empírico.
- Em todos os programas, algum tipo de providência foi tomada para reduzir a carga nominal de trabalho. No exemplo da Microsoft no Japão, a necessidade de reuniões foi auditada e novas ferramentas online foram adquiridas. No caso da Unilever, processos internos foram reorganizados para fazer com que a necessidade de interferência humana fosse reduzida. Em ambos os casos (e nos outros casos, provavelmente deve ter sido similar) tempo e dinheiro foram gastos para que a demanda por mão de obra humana fosse de alguma forma reduzida.
Isso me faz lembrar uma frase de Charles Domville Fife, polímata inglês que esteve no Brasil em 1910 a pedido da Corte Britânica estudando a cultura sul americana e os efeitos da recente proclamação da republica brasileira:
Eu seria no mínimo hipócrita se atacasse uma redução da jornada de trabalho. Afinal, ensino e ajudo pessoas a obterem independência financeira e não precisarem trabalhar embarcados. Porém, a forma como essa mudança está sendo imposta é no mínimo imprudente. Além disso, um dos parâmetros que sigo e que tento passar para meus clientes é “parar de embarcar para fazer o quê”? Ficar em casa? Pé para cima? Improdutividade? Não. Para trabalhar. Trabalhar em outros negócios. Trabalhar na sua empresa de lingerie. Trabalhar na sua sorveteria. Produzir. Ser útil.
E os marítimos?
Para nós marítimos, essas discussões são pouco relevantes de forma direta. Mesmo porque a Constituição traz reservas para acordos firmados entre empregadores e sindicatos.
Ainda não tive resposta do Carlos Müller, atual presidente do Sindmar para entender os planos para as negociações laborais e acredito que o Sindicato só fará um pronunciamento oficial quando/se o projeto for aprovado.
Os sindicatos poderão usar esta medida como moeda de barganha para negociar mais ganhos salariais ou benefícios externos ao salário como adicão nos bônus de horas extras.
Caso a PEC seja aprovada, talvez nós sejamos afetados de uma forma mas indireta, sentindo o impacto na nossa família e na nossa forma de consumir. Porém é muito difícil medir quais serão as consequências de fato. Nos exemplos anteriores, nenhum negócio de atendimento direto ao cliente foi explorado, apenas serviço a fornecedores internos ou externos e o setor público, no caso da Islândia, que já é enxuto.
Aliás, o Brasil não é a Islândia.
Eficácia do orçamento da economia islandesa. Barras rosé são deficits.
Eficácia do orçamento da economia brasileira. Barras rosé são deficits.
Em resumo, todos os ganhos e perdas que economistas e desocupados tem alardeado são meras conjecturas. Se haverá criação de emprego, se haverá queda de arrecadação, se aumentará ainda mais o déficit público, tudo é incerto.
O que é certo é que seguimos nossa maldição centenária de acharmos que temos a solução definitiva para qualquer coisa, e que basta impô-la a todos. Estamos condenados ao “a partir de hoje é assim” por muitos anos e anos. Não temos a cultura do teste, que desacelera o ritmo de mudança, mas evita o faz-desfaz e o caos constante da nossa trajetória enquanto país.
Cortina de fumaça
Sempre que uma coisa toma a mídia e as mentes das pessoas de forma avassaladora, como foi o caso da escala 4×3, eu tento ao máximo me manter vigilante sobre o que foi esquecido.
Discutíamos o famoso “corte de gastos”, que era o plano de Haddad e Tebet para revisão dos gastos públicos para os anos de 2025 e 2026.
Aproveitando-se da mudança de foco da mídia e também a reunião do G20, o pacote de medidas que estava prestes a ser anunciado foi… um pouco esquecido. Aparentemente o governo ganhou algum fôlego.
Porém, o mercado já reagiu.
O mercado não é tão bobo.
As taxas do Tesouro IPCA 2026 já cruzaram 7,30%
E as expecativas do mercado já são majoritariamente para um aumento de 0,75% da taxa SELIC na próxima reunião do COPOM.
Se a discussão sobre a escala de trabalho 4×3 serviu para alguma coisa de fato, foi para tirar nossos olhos do que é mais importante, que afetará nosso poder de compra, e o valor de nossa moeda, seja em qualquer que for a escala de trabalho.
Estamos de olho.
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